domingo, 28 de maio de 2017

LIVRO: BELLA TOSCANA - A Doce vida na Itália - FRANCES MAYES


Mayes, Frances. L&pm pocket , 2010.
304 páginas
Tradução: Waldéa Barcellos 

Após escrever o conhecido "Sob o sol da Toscana" que virou filme (postado no blog) Mayes deu continuidade com este belo "Bella Toscana" onde nos conta com mais minúcias e detalhes sua vida no povoado de Cortona na Itália. 

A reforma da casa, o jardim, a horta, o pomar. Ela vai nos contando, como se fosse um diário, não se trata de um romance contínuo, seu dia a dia na Itália e suas vivências, experiências, nesta terra tão diferente dos Estados Unidos. 

Bramasole é seu refúgio, onde pode recuperar suas energias, sua paz, onde passa alguns meses para recuperar-se e enfrentar os outros meses de sua vida mais estressante, digamos assim. 

Claro que é perceptível que este sonho de poder fazer isto é para quem possui boas condições financeiras, inclusive para poder fazer a reforma não apenas de uma casa, mas de duas na Itália. Mas a leitura é algo relaxante e que nos inspira a fazer algo se não igual, pelo menos parecido em nossas vidas, porque podemos sim ter um jardim, uma horta, construir algo em nossa casa, decorar. Mas o que todos podemos fazer é cozinhar, e o livro traz as receitas. 

Gosto de ler Mayes quando não estou bem, quando preciso encontrar minha essência, reencontrar meu lar, minha casa, meu aconchego. Ela tem uma vida que muitos de nós desejamos, mas que não podemos ter. Mas podemos sim em nosso próprio universo fazer algo parecido. Ela nos incentiva com sua escrita e isto é muito bom. 

Frances Mayes nasceu em 1940 em Fitzgerald - Geórgia, EUA.

LIVRO: A COZINHA DAS ESCRITORAS - STEFANIA APHEL BARZINI


Barzini, Stefania Aphel. 1ª ed. Saraiva, 2013
240 páginas
Tradução: Rubia Sammarco 
Título Original: La scrittrice cucinava qui 

Este delicioso livro trata da relação de algumas grandes escritoras com a cozinha e a comida. São elas: Virginia Woolf, Gertrude Stein, Simone de Beauvoir, Elsa Morante, Karen Blixen, Agatha Christie, Grazia Deledda, Harriet Beecher Stowe, Pamela L. Travers e Colette. 

Além disto traz também as receitas.

É interessante acompanhar a relação que se estabelece com a comida de acordo com o estado de espírito que se encontra. Há momentos que comemos mais, outros menos, outros que nem comemos.
Neste livro vamos encontrar esta relação de grandes escritoras com a comida seja em sua vida ou em seus livros. A comida traduz emoções e prazeres, mas também o ódio e a tristeza.

A ligação feminina com a cozinha e comida é algo intenso, que reflete a mulher e seu ânimo. Outro exemplo magnifico disto é "Como água para chocolate" de Laura Esquivel, já postado aqui no Blog.
Uma das provas disto é a anorexia e a bulimia, mas também a obesidade.

Comida é vida, mas também é morte. É um ato de amor, é arte, é prazer, mas também uma forma de expressar ou desabafar.

Falo aqui do feminino, porém a relação com a comida se encontra também nos homens, e muitos são os que se dedicam a cozinha. Não falo aqui de chefs, mas da arte de cozinhar para os outros, para si mesmo.




Stefania Aphel Barzini nasceu em 1952 em Roma, Itália. 

segunda-feira, 8 de maio de 2017

FILME: EDVARD MUNCH - A vida do pintor de O Grito - 1974



Direção: Peter Watkins - 1974
Duração: 221 min
País de Origem: Noruega - Suécia

São 4 horas de duração que apreciei a cada minuto. A arte de Munch sempre me interessou e mesmo não sendo quadros que se poderia chamar de bonitos são de uma beleza imensa e intensa, retratando o interior do pintor, o que via e sentia. Acompanhamos toda a criação artística que reflete sua vida. Aliás o filme é considerado um dos melhores filmes já realizados sobre o processo de criação artística. 

Marcado pela infância que o persegue que o filme nos traz com constantes flash backs. Uma família puritana, a mãe morre quando ele era pequeno de uma hemorragia no pulmão. Neste momento antes de morrer ela o faz prometer que continuará seguindo e amando Jesus. Depois é a morte do mesmo modo de sua irmã Sophie. 

Os desencantos amorosos e com as mulheres que define serem de três tipos: a sedutora, a inocente e a mãe, mas que estão em uma só. 

O filme mostra sua trajetória e também um painel da história e dos artistas e intelectuais, escritores e filósofos. É o retrato de uma época onde os intelectuais se rebelam contra a burguesia e seus valores. Niilistas, anarquistas, Marx escreve "O Capital". A mulher e a sexualidade. 

A pintura de Munch é escura, melancólica, incomoda. Me lembram os quadros dos pacientes de Nise da Silveira. É o psiquismo que se projeta ali. Seu quadro mais famoso é "O Grito". 

Peter Watkins nasceu em 1935 no Reino Unido

06/06/16 

quarta-feira, 3 de maio de 2017

RETORNO AO BLOG

Retomo a escrita após um bom tempo sem escrever. Não que durante este tempo eu não tenha lido ou assistido filmes, pelo contrário, porém com uma nova opção para viver com a reabertura do meu ateliê acabei me envolvendo muito com tudo isto e deixando de lado a escrita que é outra das minhas paixões. Mas estou retornando e em breve haverá novidades no blog. 

Agradeço a todas as últimas curtidas, principalmente sobre o filme Mucize que encontra-se finalmente disponível no Brasil na Netflix. Quando o assisti pela primeira vez foi em francês num canal de filmes da França. Já o vi duas vezes, e penso em rever, pois é um filme belíssimo e que vale a pena ver e rever. Traz uma bela lição de vida, do viver, dentro da simplicidade de uma aldeia no meio das montanhas, onde não deixam de ocorrer dramas, alegrias, ciúmes, invejas, competições, mas também onde encontramos a solidariedade, o amor, e a dedicação de um professor que é um exemplo. 

Um professor que sabe o que é preparar para a vida, que aceita as diferenças e para lidar com elas tem apenas uma técnica - atenção, amor e acreditar que todos tem potencial e direito a uma chance. Ele irá transformar a vida de várias pessoas na aldeia, entre elas a das meninas que passam a estudar também. Mas principalmente a de Aziz. 

Recomendo o filme. Vale cada minuto. 


sábado, 31 de dezembro de 2016

FELIZ 2017

2016 foi um ano em que postei pouco, mas espero recuperar o tempo neste ano que está chegando . Espero ter mais tempo também para leituras e filmes. Que venha 2017 com muito amor, paz e saúde!!!

domingo, 29 de maio de 2016

FILME: ELE ESTÁ DE VOLTA - 2015



Direção: David Wnendt - 2015 
Duração: 101 min
Título Original: Er ist wieder da 
País de Origem: Alemanha 

Baseado no livro Ele está de volta de Timur Vermes.

Um filme comédia e documentário que todos deveriam assistir.

O ano é 2014 e Hitler (Oliver Masucci) acorda perto de seu bunker em Berlim e tenta entender o que ocorreu ao mundo, para isto se vale de ler todos os jornais numa banca de um jornaleiro que o acolheu. Enquanto isto em uma grande emissora de TV uma mulher toma posse da diretoria e o vice que acreditava que seria promovido se torna seu inimigo. É ele quem demite um cinematógrafo, justamente quem irá encontrar Hitler.  Resolvem então rodar pela Alemanha para que Hitler possa ouvir as pessoas. 

O estarrecedor, ou não, já nem sei, é que as filmagens sobre Hitler falando com pessoas é real, e a reação que as pessoas tem assustam até mesmo o ator. Hitler ouve atentamente o que o povo tem a dizer sobre a Alemanha.   

A emissora de TV lhe dará espaço e o promoverá, tudo por audiência. Até mesmo quando o vice consegue tirar a nova diretora e lhe perguntam se então é a favor de Hitler ele responde - agora eu sou o diretor. Ou seja, a partir deste momento seus princípios, se é que tinha algum, deixam de valer, e o que importa é a audiência. 

O filme mostra claramente o que é a mídia, mas pior que isto, é ver como as pessoas buscam um herói que as livre de tudo aquilo que consideram estranho, diferente, pois uma das principais queixas dos alemães são os emigrantes, apenas trocam os judeus pelos muçulmanos, africanos e outros. 

Hitler sabe que o povo espera este salvador, e sabe fazer uso da propaganda. Interessa-se de imediato pela Televisão e pela internet. Mas também percebe que na TV só passa besteiras, entretenimento, o que evita que as pessoas pensem. As pessoas riem com o personagem Hitler, mas que no filme é o próprio. Hitler sabe que o melhor momento para ele é quando há crise, insatisfação, problemas econômicos. O discurso de salvar o país, a Alemanha para os alemães, recuperar a moral e a tradição, a família. Os alemães que aparecem no filme dizem que é necessário uma experiência nacionalista para que se recuperem os bons costumes, se combata os corruptos, haja emprego. Temas atuais e tão conhecidos nossos também. 

O filme que serviu de alerta para o povo alemão deve servir para outros países também. Há uma tendência para a extrema-direita seja na França, Áustria e outros países, inclusive o Brasil. O que fica visível no filme é a manipulação da mídia e da política, do discurso que vai de encontro ao que deseja o povo. Isto é impactante. O final do filme quando Hitler diz que não adianta matá-lo, que ele está em cada um de nós é uma verdade que é difícil de digerir. Ele lembra então que quem o elegeu foi o povo. 

Após a apresentação dos nomes dos participantes há cenas do mundo atual, que em nada diferem do que foi o fascismo. E o único que se deu conta e resolveu agir, bom este, acaba internado num hospital psiquiátrico.

Temos que ver este filme, pensar, se analisar. O racismo, o sexismo, a violência, o desejo de se livrar do diferente e estranho, a necessidade de que venha um salvador e resolva tudo isto, tudo isto ainda é atual. 

David Wnendt nasceu em 1977 em Gelsenkirchen, Alemanha

LIVRO: A AMIGA GENIAL - Infância, Adolescência - ELENA FERRANTE


Ferrante, Elena. 1ªed. Biblioteca Azul, 2015 .
336 páginas
Tradução: Maurício Santana Dias
Título Original: L'amica geniale: infanzia, adolescenza
Série Napolitana - Primeiro Romance

Confesso que sou atraída muitas vezes por capas, e neste caso o efeito foi contrário, me pareceu um daqueles romances bem água com açúcar, mesmo lendo a sinopse do livro. Mas, por sorte, li uma resenha de um psicanalista sobre os livros da tetralogia de Elena Ferrante que falava sobre as questões de identificações, édipo, e todo o conflito da infância e adolescência. A partir disto procurei um pouco mais de informações sobre os livros, que são quatro, porém lançados no Brasil até o momento foram dois. Este A Amiga genial que é o primeiro, e o segundo que é História do novo sobrenome.

A primeira coisa que me intrigou foi a autora. Elena Ferrante é o pseudônimo de uma escritora italiana que se mantém fora do circuito da mídia, não se conhece seu rosto, nem quem é. Ela diz que após o livro estar escrito ele não precisa mais dela. Por outro lado isto lhe dá uma liberdade de escrever de uma forma real, indo a fundo nos sentimentos e na descrição de um bairro em Nápoles, pobre, violento, logo após a Segunda Guerra.

A autora tem o dom de colocar em palavras todo o universo interior feminino, começando pela infância que é o caso deste primeiro livro. Suas dúvidas, desejos, a raiva/ódio do pai ou da mãe, a competição, as identificações que fazemos, o corpo e suas modificações, a sexualidade, os sonhos, os medos. 

Este primeiro livro se passa praticamente dentro de um bairro em Nápoles, onde vivem várias famílias pobres e duas que possuem uma condição financeira um pouco melhor e por isto dominam o bairro seja pelo ódio ou pelo medo, mas ao mesmo tempo é explícito a inveja, o ciúme e o desejo de ser igual a eles, mesmo com todas as recriminações que lhes fazem. 

Ali vivem Lila e Lenu e todo o romance irá girar em torno delas. Logo no início, o tempo passou e Lenu recebe um telefonema do filho de Lila dizendo que ela desapareceu. Para impedir este desaparecimento, o apagar de todos os vestígios, a ausência, Lenu começa a escrever a história das duas. 

Ao longo do romance veremos como Lenu vai se identificando à Lila para escapar de sua mãe que é manca, isto me lembra a história de Édipo, mas versão feminina. Na família edipiana os homens tinham problemas nos pés. Lila é ágil, rápida, ativa, o contrário de uma pessoa que manca. Começa uma competição que se no livro é contada por Lenu, não deixa de ocorrer com Lila também. A saída de Lenu para competir com Lila são os estudos, mas virá a frustração, quando Lila se casar com um dos melhores partidos do bairro. Para que serve o estudo? o saber? Lenu ama Nino, que é muito estudioso também, mas deixou o bairro quando criança por seu pai ter se envolvido com Melina que ficou viúva. Nino odeia o pai.

A crueldade infantil não ficará de fora, aqui na competição entre Lila e Lenu, na maneira como elas querem ser melhor uma que a outra e na forma como se provocam. Mas uma não consegue ficar distante da outra, apesar de parecer que Lila o consegue, quando Lenu ler seus escritos verá a dor que ela também sentiu.

Ferrante nos desvenda o feminino desde a infância de uma forma feroz e honesta, talvez justamente por poder se ocultar ela pode falar como ninguém e mostrar o que realmente se passa no íntimo sem subterfúgios,  máscaras sociais.

Recomendo a leitura!!!! 

DOCUMENTÁRIO: SIMONE DE BEAUVOIR E O FEMINISMO - 1959/2007



- Uma mulher atual - Dominique Gros - 2007
- Porque sou feminista - Jean-Louis Servan-Schreiber - 1975
- Simone de Beauvoir fala - Wilfrid Lemoine - 1959 

Este DVD da Versátil nos traz três documentários de Simone de Beauvoir com raras entrevistas com a filosofa, escritor e ativista política francesa.

- Uma mulher atual eu já havia assistido e está postado aqui no Blog. 

- Porque sou feminista (Pourquoi je suis feministe)  - neste documentário Simone é entrevistada por Jean-Louis para o programa "Questionnaire". Fala sobre as mulheres, de como se deu conta da condição destas e sobre a escrita do Segundo Sexo. Lembra que mesmo os da esquerda não olham as mulheres como vulneráveis, uma vez que a luta deles é a de classes não de gênero, e a esquerda também é composta por homens. Diz que nunca se sentiu ela mesma tolhida, porém foi olhando ao seu redor que percebeu a opressão, a maneira como uma sociedade constitui o gênero. 

- Simone de Beauvoir fala - Esta é uma entrevista filmada em Paris pela Radio-Canada, que censurou sua difusão por pressão do arcebispo de Montreal. Aqui ela fala sobre suas ideias, sobre o existencialismo, religião, o casamento, o amor livre. 


Os três documentários nos trazem o perfil de Simone por ela mesma, sua liberdade, curiosidade, sua relação com Sartre e com os intelectuais franceses, a literatura, seus engajamentos políticos. 

Jean-Louis Servan-Schreiber nasceu em 1937 em Boulogne-Billancourt, França.

Wilfrid Lemoine nasceu em 1927 em Québec, Canadá e faleceu em 2003. 

sexta-feira, 27 de maio de 2016

LIVRO: A MÃE ETERNA morrer é um direito - BETTY MILAN


Milan, Betty. 1ªed.- Record, 2016
141 paginas


Após o livro "Carta ao filho" desta vez Milan nos fala da mãe. É um relato fictício, mas que é sincero sobre os sentimentos de uma filha diante do envelhecimento e da morte da mãe. 

Fui tocada pelo livro pois passei por isto, em dado momento tive que ser a cuidadora da que cuidou de mim, daquela que me deu a vida e me escutou, instruiu, consolou. Como é difícil aceitar que esta mãe, com a qual contamos sempre, deixa este lugar, já não escuta direito, não consegue mais conversar com você, envelhece e pode morrer. Por outro lado temos consciência do que é envelhecer, perder sua liberdade e autonomia, pelo menos a física. Um corpo que já não permite que se faça o que deseja, até mesmo as menores coisas, como ir a um cinema, visitar um filho, chegando ao ponto de não poder tomar um banho sozinha. 

A filha que cuida da mãe sente raiva, medo, se sente sendo subjugada nisto tudo, obrigações que não deseja, pesos em sua vida, mas não consegue deixar de fazer, de cuidar, pelo imenso amor que sente. E não há como falar sobre isto. Dizer que se sente raiva? não pode!! Milan é corajosa ao falar com honestidade, franqueza sobre estes sentimentos.

O filho no livro que não aceita, não ajuda e não participa. No fundo sente o mesmo mas reage de outra forma, não consegue aceitar o envelhecimento da mãe, a perda da mãe. Filhos desejam que a mãe seja eterna, a mesma, e se não pode ser assim no real, o imaginário se ocupa disto. 

Quantas vezes me senti assim. Não aceitar, não querer que minha mãe envelhecesse, ficar com raiva quando ela ficava mal, doente. Não era por ter que socorrer, era por não querer que ela envelhecesse e morresse. 

A imagem da mãe que cuidou de nós é a que fica. É esta que desejamos e mantemos. Nada mais cruel para um filho ou filha do que ter que se tornar mãe da mãe. Milan tem razão, é o momento em que perdemos a mãe, em que ela deixa de ser mãe, se torna filha. E como é difícil enfrentar isto. E penso que para a mãe também, tanto que ela vai reagir, com atos que chamamos de teimosia, rabugice, estar fora da casinha. Ela também deseja preservar sua independência e autonomia. Vai fazer coisas que não pode, vai comer coisas que não pode. Com diz Milan, "a velhice castra antes de a morte ceifar e por isso é tão aterradora". 

Segundo Freud há uma fusão entre mãe e bebê, que carregamos pela vida, nunca nos separamos totalmente. A morte da mãe nos leva um pedaço, morremos junto. Uma parte de nós se foi. E ver a mãe morta é ver a si mesmo morta, e saber que um dia também vamos morrer. 

Betty Milan nasceu em 1944 em São Paulo. É psicanalista e escritora.

LIVRO: AS ÁGUAS DO MEU POÇO - Reflexões sobre experiências de liberdade - IVONE GEBARA


Gebara, Ivone. Brasiliense, 2005
243 páginas
Tradução: Jacqueline Castro
Título Original: Les eaux de mon puis

Descobri Ivone Gebara em meu curso de Filosofia. Este livro é um mergulho em si mesma em busca de se conhecer e compreender, é um mergulho íntimo que ela nos relata com sinceridade, simplicidade, mostrando suas dúvidas, dificuldades, conflitos, buscas, dores e alegrias. 

Desde sua adolescência ela busca a liberdade e agora faz um balanço sobre o que é a liberdade, e como atingi-la, tarefa difícil, tarefa de toda uma vida. Mas fala também de outros temas e de sua experiência junto com Dom Helder Câmara na Teologia da Libertação, de seu "exílio" em Louvain-la-Neuve na Bélgica após haver dado uma entrevista e falado sobre o aborto. 

Ivone é uma freira católica, mas que enxerga o mundo como ele é, é sensível as dificuldades dos outros, às necessidades das pessoas. Vive no meio do povo mais pobre e também de sua violência. 

Este livro foi escrito em francês, apesar dela ser brasileira, mas ela aceitou este desafio. 

Ao se confrontar neste percurso do livro, neste mergulho em suas águas profundas ela descobre a si mesma e traça este caminho e nos doa isto, sua experiência. O livro é um mergulho na singularidade de cada um, e que pode nos iluminar e incentivar a fazer o mesmo, debruçar-se a beira de seu poço e escutar suas águas profundas. Um percurso que apesar de difícil e muitas vezes doloroso vale a pena ser feito, principalmente para o que deseja uma libertação.

No que se refere a mim, encontrei em seu relato algo que me tocou e muito. Sempre defendi o feminismo sem igualar a mulher ao homem, exceto em seus direitos como cidadã. Porém percebo que todas nós pensamos através de uma linguagem, cultura masculina, e isto é estrutural. Ivone começa este questionamento quando se dá conta do Deus masculino, patriarcal, visto pela sociedade desta forma. Então ela descobre a Teologia feminista que busca reinterpretar a Bíblia sob o viés feminino. Mas o que ela me mostrou é que realmente é difícil mudar o discurso, a linguagem, mas não é impossível. É preciso reinterpretar, reavaliar, olhar com outros olhos, e se aproximar do feminino. Tarefa longa e difícil, mas possível. 

Ivone Gebara nasceu em 1944 em São Paulo. É filosofa, teóloga e freira católica. É doutora em filosofia e Ciências Religiosas. 

terça-feira, 24 de maio de 2016

LIVRO: NISE DA SILVEIRA Uma psiquiatra rebelde - FERREIRA GULLAR



Gullar, Ferreira. Relume-Dumará, 1996
98 páginas

Após assistir ao filme sobre Nise, postado aqui no blog, interessei-me por saber mais sobre sua vida e fui a minha biblioteca onde este livro estava aguardando para ser lido. 

O filme trata de um momento, quando ela volta ao Hospital após seu afastamento por ter sido presa ao ser considerada comunista. Já este livro que também fala muito sobre todo o período tratado no filme, temos uma visão mais ampla de sua vida desde sua infância em Alagoas, sua formação intelectual, a ida para Salvador onde estudou medicina, sua vinda para o Rio de Janeiro, amigos, seu envolvimento com defensores do comunismo que lhe emprestam livros sobre Marx e que fazem com que uma enfermeira a denuncie.

Sua experiência como presa política lhe ensinou muito sobre a questão de estar preso em um lugar, ter sua liberdade cerceada e ser tratado com desprezo e desdém. Nise defende um tratamento humano para os doentes mentais, com atenção, carinho. Diz que precisam ter alguém ao seu lado, dando apoio, sentir segurança.

A escuridão onde estão submersos dá sinais de tentativas de manter contato com a realidade através dos desenhos, das pinturas, da escultura, já que lhes faltam palavras. O psiquismo sempre procura se reequilibrar.

Quando percebe que muitos que deixam o hospital psiquiátrico acabam retornando, se dá conta que é necessário uma fase de transição, para que possam se readaptar ao mundo. Ela criou então a Casa das Palmeiras onde podem fazer esta transição.

O livro também traz uma entrevista com ela.

Ferreira Gullar nasceu em 1930 em São Luís, Maranhão. 

FILME: NISE O CORAÇÃO DA LOUCURA - 2015


Direção: Roberto Berliner - 2015
Duração: 108 min

Após sair da prisão, foi presa por suspeita de ser comunista, Nise da Silveira (Glória Pires) volta a trabalhar em um hospital psiquiátrico, o Centro Psiquiátrico Nacional Dom Pedro II - Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Ela retorna quando está em voga os novos tratamentos com eletrochoques e a lobotomia. Assiste a apresentação de um psiquiatra que demonstra com um paciente os efeitos do tratamento com choques. Aquilo a choca profundamente e é incapaz de aceitar isto. Por isto a única opção que lhe resta é o Setor de Terapia Ocupacional que é de responsabilidade dos enfermeiros. 

Ela encontra um ambiente desolador, bagunçado e sujo. A primeira coisa que faz é limpar e organizar o lugar. Apresenta aos médicos sua proposta, uma vez que eles são os responsáveis pelo tratamento dos internados, e não há receptividade, mas mesmo assim alguns pacientes lhe são encaminhados. É o início de uma nova maneira de se tratar a doença mental, tratando ao doente de forma digna e humana. 

Nise irá lutar com a resistência dos médicos que se baseiam muito mais no organismo, o cérebro, sem levar em conta a afetividade, as relações humanas. Até hoje a ciência foca no organismo e não no psiquismo, visto a utilização de remédios para "curar" a depressão, a ansiedade, ou qualquer outro transtorno. 

A incapacidade de enxergar os resultados, considerar isto como ocupação e não um tratamento, olhar para os desenhos e pinturas e não ter a sensibilidade de captar o simbólico que está ali no lugar da palavra. A necessidade da paciência e da observação do psiquiatra e deixar o cliente como Nise passa a chamar os internados livre para fazer o que deseja, é mais fácil os eletrochoques, a lobotomia, os remédios. O caminho da melhora e da cura é longo para aquele que está na escuridão de sua mente, de seu psiquismo, cindido, e tentando um contato com o mundo a sua volta. O psiquismo sempre procura se recompor, e é isto que ocorre nos sonhos, nos desenhos, nas pinturas, nas esculturas. Nise acompanha cada um na sequência do que vai produzindo, é ali, nesta trajetória que ela lê e compreende o que se passa, percebe a melhora, as tentativas de falar. 

Os que participam do projeto de Nise aos poucos melhoram, alguns chegam a voltar para suas casas, sua família, a agressividade diminui, o distanciamento diminui. É lamentável a falta da compreensão do hospital com os animais, cães encontrados na rua que são dados aos clientes para que cuidem deles, levando a uma crueldade de matá-los por envenenamento. Um dos internos surta neste momento, e será feito uma lobotomia nele. 

Um famoso crítico de arte verá as obras e ficar impressionado. A partir deste momento será levado ao público esta produção, mas Nise nunca permitirá a venda delas, pois ali não se trata de uma obra para venda, mas todas tem seus significados psiquiátricos, e devem ser vistas no conjunto. 

Entre os que se destacaram artisticamente estão Adelina Gomes (Simone Mazzer), Carlos Pertius ( Julio Adrião), Fernando Diniz (Fabrício Boliveira), Lucio (Roney Villela), Otávio (Flávio Bauraqui), Raphael (Bernardo Marinho)  e principalmente Emygidio de Barros (Claudio Jaborandy). 

O filme foca no tratamento pela arte que Nise desenvolve apoiada em Jung, principalmente devido as mandalas que os internos desenham. Nise é uma mulher admirável, e por sorte, teimosa, persistente, diante dos médicos todos homens, machistas, e da sociedade que até os dias atuais tem medo do que chamam de loucos, e tem preconceitos com doenças mentais. 


Roberto Berliner nasceu em 1957 no Rio de Janeiro.

LIVRO: A CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO - Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura - MARIO VARGA LLOSA



Llosa, Mario Vargas. 1ªed. Objetiva, 2013
208 Páginas
Tradução: Ivone Benedetti
Título Original: La civilización del espectáculo

Um livro atual e ao mesmo tempo já sentimos falta de eventos ocorridos no mundo, uma vez que tudo é tão acelerado e o mundo muda a cada dia. 

Llosa faz uma crítica a falta de cultura no mundo atual e refere-se ao que se chama de cultura como entretenimento com intuito de fugir da realidade, de não ter que confrontar nem a si mesmo e menos ainda se engajar em ações em prol do mundo e do outro. É como um narcótico que faz com que as pessoas se desliguem, ao invés de agir, levando ao que toda ditadura sonha, um povo entorpecido e que não reage mais e se torna obediente cuidando de sua família e trabalho sem questionar nada. 

Discordo do conceito de cultura que Llosa utiliza ao se referir criticamente ao que a Antropologia considera cultura dizendo que devido a este relativismo foi possível chegar a situação atual. A Antropologia realmente tem um conceito de cultura que não diferencia o dito "primitivo" de uma cultura civilizada ou superior, considera a todas com real valor e importantes, sendo que nenhuma delas pode ser considerada inferior. Mas Llosa nos fala principalmente da literatura, do cinema, das artes, e neste caso acredito que nos falta então uma palavra, sim tudo isto é cultura, porém para a Antropologia são itens que estão na cultura, que abrange mais do que isto. Aqui eu pensei em erudição, mas ainda não é isto. 

Llosa separa o que ele considera uma cultura das elites de uma cultura mais popular considerando a primeira como a fonte de aprendizado, estudos, conhecimentos e que proporciona a possibilidade de compreender a si mesmo e ao mundo, sem escapar das misérias, da dor, da morte, e que nos ensina a não nos deixar enganar pelas ilusões e engôdos. Somente esta "alta" cultura é capaz de proporcionar isto e não leva ao entorpecimento. 

Realmente, às vezes sinto falta de grandes teóricos, de grandes escritores, de grandes artistas no mundo atual. Recentemente visitei uma exposição de arte moderna e saí dela me perguntando se aquilo era realmente arte, ou o que era aquilo. Quando vejo um pedaço de pedra coberto por massinha de modelar num grande museu eu estranho isto e não consigo compreender e aceitar isto como arte. Parecia que eu estava vendo o resultado da aula de arte ou de lazer de um jardim de infância. 

Mas o livro é extremamente interessante e oportuno para lidar com o que vemos hoje no mundo chamado de cultural. Porém, por sorte, ainda temos muitas produções de alto nível, nem tudo está focado no entretenimento e para escapar da realidade. Apesar de que também considero isto importante, desde que não seja a única opção. Precisamos sim, de vez em quando, escapar de tudo isto e entrar num mundo ilusório.

A crítica que o autor faz a política é importante, e realmente penso que ele tem razão quando diz que hoje homens éticos, interessados no outro, já não se interessam pela política, uma vez que esta mesma está desacreditada e fornece uma visão de algo corrupto, interesseiro, e de muitas mentiras. Principalmente nós que vivemos este momento atual no Brasil, onde se vê claramente um estado de exceção, onde uns são condenados e outros que cometeram o mesmo crime não. Não estou aqui sendo nem de esquerda, nem de direita, mas ética. 

A civilização do espetáculo é real, realmente temos muitos livros, artes e filmes que se enquadram nisto, e a grande maioria da população prefere isto do que ler um grande clássico, ou um filme de arte ou alternativo. Ninguém quer pensar muito, se foge do esforço necessário, da reflexão necessária diante de uma obra de arte. Visita-se os museus para dizer que esteve lá, que viu a exposição tal, e claro, tirar selfs para postar no facebook. Quem atualmente fica horas dentro de um museu admirando cada obra, deixando os efeitos desta surtirem em si mesmo, procurando conhecer o artista e o que ele realmente quis dizer ali e o que nós sentimos? Quem lê atualmente Ulissses de James Joyce, A montanha mágica de Thomas Mann, o Dom Quixote de Cervantes, a Divina Comédia de Dante? Quem assiste a filmes produzidos por cineastas que não pertencem nem a Hollywood e nem ao cinema europeu? Os asiáticos, os africanos? Fiquei impressionada com o filme Timbuktu de Abderrahmane Sissako, mas não encontrei ninguém com quem falar sobre este filme. Ou Winter Sleep de Nuri Bilge Ceylan que ganhou o Palma de Ouro? Sim, este filme é longo, com muitos diálogos, sem ação, sem entretenimento, é feito para refletir sobre a vida, mas belíssimo. Para ver e rever. Mas estes filmes só chegam ao público através de pouquíssimos cinemas, que sempre estão nas capitais e voltados para um público seleto. Inclusive por causa de suas salas vips. 

Por outro lado, sou a favor que todos tenham acesso à cultura, possam ler os grandes clássicos, os bons livros, assistir aos bons filmes, Possibilitar o acesso de todos a isto. Não concordo que tenha que permanecer como algo seleto, da uma minoria, porém, o grande público não se interessa por isto, talvez por já estar domesticado, imbuído da necessidade de prazer, felicidade e sucesso, que nos impõe a ideologia atual. Não se deve sofrer ou ter que enfrentar as questões, tome um anti-depressivo e seja feliz. Mas isto é saudável? ou é uma grande fuga? Esta divisão que Llosa faz com a cultura das elites e a do povo é um tanto divisória, como esquerda e direita, como pobres e ricos, como norte e sul. E não gosto disto, gera discursos de ódio. 

O livro é um grande alerta ao que ocorre atualmente. Não foi dado o acesso a todos à cultura, pelo contrário, foi dado acesso ao mundo da ilusão, de uma arte, literatura, cinema controlado, comercial, que serve para domesticar a todos, levar a inércia diante dos fatos da vida e da fuga a eles. 

Mario Vargas Llosa nasceu em 1936 em Arequipa, Peru

LIVRO: COMO CURAR UM FANÁTICO - Israel e Palestina: entre o certo e o certo - AMÓS OZ


Oz, Amós. Companhia das Letras, 1ªed. 2016
103 páginas
Tradução: Paulo Geiger
Título Original: How to cure a fanatic: Israel and Palestine: between right and right.

Este livro nos traz ensaios de Amós Oz sobre a questão do fanatismo e principalmente sobre Israel e a Palestina. É uma abordagem lúcida e que nos leva a compreender este conflito de uma forma diferente do que normalmente divulgado, ou seja, não há o certo e o errado, a questão é entre o certo e o certo.

Oz considera que não se trata de desaparecer com Israel ou com a Palestina, e que isto já se tornou algo real para todos ali, o que antes era o desejo que o outro não existisse e fosse embora, hoje é fato que nenhum dos dois irá se retirar do que considera sua terra e que de fato é. Amós Oz fala então de uma questão "imobiliária", ou seja, seria como dividir um apartamento, quem fica com qual quarto, como fazer uso da mesma cozinha e da mesma sala. É a questão de dois Estados, como ocorreu com a Tchecoslováquia, que se dividiu em República Tcheca e Eslováquia, mas neste caso é necessário também um acordo flexível sobre a questão dos lugares sagrados a ambos em Jerusalém. 

Há um alto risco para Israel a partir do momento que se retire de alguns territórios ocupados, uma vez que a Palestina pode servir para que outros se aproximem demais de Israel. É conhecido o fato que o Estado Islâmico quer destruir Israel. 

Mas este pequeno livro vai além disto, pois fala do fanatismo, não só este que estamos acostumados a tratar, o religioso, mas todo e qualquer fanatismo, ou seja, qualquer um que queira impor ao outro seu modo de ser e viver que considera o certo. O fanático é um altruísta segundo Oz, uma vez que ele pensa no outro, no bem do outro, desejando e impondo que ele siga o caminho correto e certo, o dele claro, e não levando jamais em consideração a diferença e a alteridade. Neste sentido temos os vegetarianos, os pacifistas, os que defendem determinados comportamentos, roupas, os religiosos, e todo e qualquer tipo de imposição do certo sobre o que supostamente é errado segundo os critérios próprios do que quer recuperar o outro. 

Para combater e curar isto Amós fala do humor, da imaginação, da capacidade de se colocar no lugar do outro. Um fanático não tem humor, ele não ri de si mesmo. E estas são capacidades capazes de curar um fanático, introduzindo imaginação e criatividade em sua maneira de pensar. 

Vale a pena ler!!!

Amós Oz nasceu em 1939 em Jerusalém, Israel.

LIVRO: HEREGES - LEONARDO PADURA


Padura, Leonardo. 1ªed. Boitempo, 2015
503 páginas
Tradução: Ari Roitman, Paulina Wacht, com a colaboração de Bernardo Pericás Neto
Título Original: Herejes
País de origem: Cuba

Um livro que não se larga! Dividido em quatro capítulos nos conta a história da Família kaminsky. Trata-se de uma ficção, porém baseado em extensa pesquisa histórica. 

A primeira parte trata da chegada do navio Saint Louis em 1939 com judeus que fugiam da segunda guerra e do nazismo à Cuba e que foi enviado de volta com todos seus passageiros, que após outras tentativas de desembarque em outros locais retornou à Europa sendo que o destino de seus passageiros acabou sendo o campo de concentração e a morte. Neste navio estava a família Kaminsky, pai, mãe e filha, que vinham para ficar com o irmão do pai e o filho, Daniel, que já estava em Cuba. Havia uma esperança de desembarque uma vez que, possuíam um quadro legítimo de Rembrandt que poderia ser negociado. Infelizmente isto não ocorreu. 

Daniel fica com seu tio, casa-se, e irá para os Estados Unidos fugindo de algo que seu filho quer descobrir o que é. Para isto anos depois Elias retorna à Cuba e procura Conde um ex-policial, para ajudá-lo a desvendar o mistério. 

Na segunda parte temos a história do quadro. Amsterdã na época em que os judeus acreditam que o Messias chegou, Baruch Spinoza é excomungado, um jovem judeu se torna aprendiz junto com Rembrandt, coisa inédita e perigosa, uma vez que os judeus proíbem a reprodução de imagens. 

Na terceira parte temos o tempo atual, onde se desvela o restante do mistério sobre o quadro. 

Recomendo!!

Leonardo Padura nasceu em 1955 em Havana, Cuba.